29.03.08
Ficção: Capitulo 3
Márcio Branco
A rotina diária é algo a que ninguém escapa, seja ela qual for. Poderão umas rotinas ser mais interessantes que outras? Essa pergunta surgia com alguma frequência na sua cabeça e rapidamente chegava à conclusão que sim, que a sua rotina era uma verdadeira aventura. Isto porque diáriamente era confrontado com histórias diferentes, pessoas diferentes, escolhas e caminhos que o permitiam ver o mundo não só pelos seus olhos mas pelos olhos de todos aqueles que o procuravam. Era a sua recompensa, o seu reforço positivo diário para se levantar e ir trabalhar. Hoje não seria diferente. Levantou-se da cama e olhou o corpo da sua esposa deitado na cama e admirou a sua beleza. Esta era mais uma rotina diária mas nunca se cansava de a fazer, olhar para a esposa era como ganhar forças para aguentar mais um dia, depois tomava um banho, preparava o pequeno almoço para os dois e nunca saia de casa sem dar um beijo de despedida. "Já te disse que te amo?" - dizia ele ao ouvido - "Dizes-me todas as manhãs mas eu gosto de ouvir" - respondia ela ainda meio ensonada mas a acordar para a sua rotina diaria.
Para ir trabalhar não precisava de levar carro, bastava sair de casa e entrar no metro, em 15 minutos estava no seu escritório, um edificio antigo mas como tudo o que era antigo mantinha uma aura de mistério à sua volta. O escritório ficava no rés-do chão e mal entrava já era habitual ver a assistente em volta do computador - "Bom dia Alice, como estás hoje?" - era a pergunta habitual que ele fazia e era muitas vezes acusado de ser repetitivo e enfadonho. " Estou bem, quer dizer mais ou menos, nem por isso sabes?!". - "Fiquei sem saber se estás a ficar com multipla personalidade ou se simplesmente ainda nem sabes como estás hoje mas deixa lá, no final volto-te a perguntar e já deves saber! Espere eu! Como estamos hoje de trabalho Alice?"
- "Bem, hoje vais ter muito para fazer. Tens às 10h30 marcação com uma senhora do algarve. Às 12h vem cá o senhor Filipe, da consulta do mês passado e da parte da tarde....." - Mas foi interrompida sem poder concluir a frase - "Ok, vamos primeiro trabalhar de manhã e depois de tarde voltamos a falar, senão não justificas o salário que te pago!" e começaram ambos a rir-se.
Ainda nem eram 10h30 quando uma jovem mulher, rondando a casa dos trinta se dirigiu à assistente - "Tenho uma consulta marcada com o Sr. Ricardo Sousa"- a sua voz era firme e ligeiramente grave. A Alice gostava imenso daquel trabalho porque podia avaliar as diversas mulheres que entravam no escritório e gostava de fazer julgamentos apenas pela pinta delas, para a Alice esta mulher correspondia ao perfil de mulher jovem que trai o marido e que depois não sabe o que fazer quando se vê prestes a perder a fortuna. - "Sim, já está à sua espera, pode entrar. Eu vou acompanha-la"
O escritório era um local um designado por muitos como fascinante, porque não se parecia nada com um escritório tipico. Era uma sala com mais de 50 metros quadrados, com as paredes forradas com prateleiras e livros e toda a sala parecia uma confortavel sala de estar. Com lareira, chaise longues e o unico sinal de modernidade era o portátil em cima de uma mesa de secretária também ela com aspecto rustico e maciço. Era neste espaço que diariamente o Ricardo realizava as suas consultas de tarologia. Este espaço foi herdado do seu avó e ele resolveu manter todo o aspecto original, sentia-se como em casa, confortavel e queria transmitir isso para os seus clientes.
Ele estava sentado no sofá a ler um livro quando a Alice entrou com a cliente das 10h30 - "Muito prazer, sou o Ricardo, por favor sente-se"- cumprimentou-a e indicou-lhe um dos diversos espaços livres à sua frente. - "Obrigado, chamo-me Odete e é um prazer conhece-lo, tive boas referências suas" - disse enquanto se sentava e fazia a avaliação da pessoa que tinha à sua frente.
Uma amiga da Odete, consultou o Ricardo à cerca de 5 meses atrás e descreveu-o com sendo um homem por quem qualquer mulher cairia rapidamente, não obstante que era um excelente tarólogo também. E de facto o homem que ela via era um homem interessante, ainda jovem, com o olhar jovial, fisicamente bem dotado, deveria fazer ginásio. Ela sempre teve bons olhos para estes pormenores e imediatamente reparou que ele usava aliança portanto deveria ser casado, o que ainda aumentava o charme dele. E a própria sala era magnifica, ela já se podia imaginar deitada num daqueles sofás completamente nua, com o tarólogo ou com qualquer outro homem, menos o marido obviamente. - Estou a reparar que é casado, a sua esposa é a assistente?" - Ela sabia perfeitamente que não era, mas ela preferia fazer-se de burra e sacar algumas informaçoes, aprendeu isto com o marido, nunca se sabe se poderão ser uteis mais tarde. - "Sou casado sim mas não com a Alice, que é a minha assistente. Deve ter reparado que ela é uma jovem em comparação comigo que já estou a caminhar para a velhice" - começando a rir-se - " A minha esposa está numa área muito distinta da minha, mas muitas vezes passa por aqui, um dia poderá ter a oportunidade de a conhecer."
Ele estava habituado a fazer uma conversa inicial de circunstancia porque era preciso pôr as pessoas à vontade e não se importava com as perguntas mais indiscretas. Era natural que algumas clientes tivessem ideias erradas sobre ele, ou sobre a consulta em si mas o importante era esclarecer imediatamente tudo e a questão dele ser comprometido era recorrente e ele falava muito nela para que também segundas intenções não fossem criadas, pois nada mais natural que uma mulher carente, que se aproximava dele para contar a sua história menos feliz e neste periodo de carencia os sentimentos começassem a ser confundidos e rapidamente a consulta poderia tornar-se numa sessão sexual como acontecia com muitso profissionais da área que mais do que tarólogos eram prostitutos que apenas realizavam as fantasias das mulheres casadas. Ele não queria isso para si e por isso mantinha sempre o nivel da consulta.
Nunca julgava ninguém e para ele a Odete era mais uma jovem mulher que necessitava de alguma orientação, não imaginava ele que esta consulta iria causar muitos problemas futuros.
- " e então Odete, em que posso ajuda-la? Enquanto partilha comigo essa informação vou oferecer-lhe um chá" e enquanto se levantava para uma mesinha de apoio que tinha junto de uma estante a Odete começou a sua história.......................
............................................Continua..................................................................................................................